Não, nós não somos machistas… (II)
29 Jan
Por Brizola Neto
O machismo da mídia
Quando eu era um estagiário da editoria de Esportes de O Globo, no final dos anos 70, contava-se a história de que ao descer à redação, coisa que não fazia muito, um dos irmãos de Roberto Marinho – se ainda me recordo, Rogério – perguntou a um velho funcionário do jornal, espantado com a quantidade de mulheres na redação:
– Mas elas se comportam direitinho?
Três décadas e meia depois, o comportamento da imprensa em relação às mulheres que chegam aos cargos de poder político parece lembrar este comportamento.
O Estadão, a partir de uma boa reportagem de Sérgio Torres, onde a futura presidente da Petrobras, Maria das Graças da Silva Foster, é apresentada como uma lutadora, boa mãe e amiga, militante política e até capaz de fazer-se pequenas tatuagens, é chamada de “dama de ferro”;. Expressão, aliás, que o repórter jamais utiliza.
Em outra “reportagem” a coisa é com Dilma. É chamada de autoritária e até – novamente a editoria – tem sua antessala definida como “sala de torturas”, porque todos teriam medo do que irá acontecer ao encontrarem a presidenta. O seu defeito? Ela “se irrita com promessas não cumpridas, projetos que não param em pé, pressão de aliados políticos por cargos no governo e “vazamentos” de notícias. Erros de português e números trocados também a tiram do sério”.
Ora, francamente, era para gostar? Cidadãos adultos, Ministros de Estado, dirigentes de empresas públicas, só porque vão tratar com uma chefe mulher devem esperar, ao deixarem de ser consistentes e competentes, a serem tratados na base do “bilú-bilú”? Isso é uma idiotice total e, que espera algo assim, não deve levar uma, mas duas broncas: além da ineficácia, outra pela visão deformada que têm da condição feminina.
Mas como Dilma e Graça são mulheres, o fato de serem chefes exigentes é – e nem tão veladamente assim – criticado. “Gerentona”, “dama de ferro”, “duríssima”, “exigente” são alguns dos rótulos que lhes pregam.
Ora, as duas têm um trabalho duro, difícil, onde cada erro, além da exposição política, causa prejuízo ao povo brasileiro. Não estão ali por carreira ou brincadeira, nem pelo salário, apenas. Têm uma imensa responsabilidade.
Fossem homens, ninguém iria lhes cobrar gentilezas e rapapés. E é exatamente por esse comportamento machista, que acha que mulheres devem ser “polianas” que, às vezes, até têm de subir uma ou duas oitavas o tom do comando, porque sempre vai haver um bobalhão achando que ordem de mulher não é como ordem de homem e que é possível enrolá-las com “jeitinho”.
Ter chefe exigente e “cobrador” nunca foi problema para ninguém.
Pessoalmente, trabalhei por mais de 20 anos com uma pessoa tida como difícil e autoritária, Leonel Brizola. Nem era, mas também não era “um docinho”, nem deveria ser. Isso nunca me fez mal algum e muito menos me tornou um cordeirinho amedrontado, por duas razões.
A primeira, retidão e lealdade. A segunda, um própósito em comum, como se deve ter quando se está em um projeto de mudança de um país. Levei algumas broncas e “peitei” algumas coisas e ninguém saiu machucado disso. E ele próprio, o mais velho, tomava a iniciativa de minimizar o estrago: “lenha boa é que sai faísca”, dizem bem os gaúchos.
Será que deve ser diferente só porque é uma mulher?
Mas a imprensa, infelizmente, reproduz essa visão machista que deveria ter ficado no passado de um país onde, felizmente, as mulheres começam – e apenas começam – a ter papéis decisórios secularmente “pertencentes” aos homens.
Nossos meios de comunicação, tão “moderninhos” e “politicamente corretos” deviam ter vergonha de pensarem como há 35 anos pensava o irmão Marinho, parte de um tempo no qual o mais importante que se podia dizer de uma mulher era ser “senhora do Fulano de Tal”.
Que vergonha!
Forum Social Mundial: a necessidade de superar o unilateralismo
23/01/2012
Por Emir Sader
Para que o FSM se integre na construção do outro mundo possível
Onze anos depois da sua primeira versão, o Forum Social Mundial volta a seu berço, Porto Alegre. Volta como Forum Social Temático, mas com todas as possibilidades de que daqui a um ano possa voltar a abrigar o Forum Social Mundial.
O mundo mudou desde então – e como? A avaliação do FSM não deve ser feita a partir de si mesma, mas da capacidade de responder aos desafios que as transformações do mundo impõem desde seu início.
O FSM foi organizado como reflexo das lutas de resistência ao neoliberalismo, que teve na década de 90 seu auge. Constituiu-se inicialmente no grande espaço que reunia a todos os que se opunham ao neoliberalismo, sob o lema da construção do “Outro mundo possível”. Porém, não soube transformar-se para se adequar aos novos tempos – tempos de construção de alternativas ao neoliberalismo e tempos de guerras imperiais.
A aparição do FSM já se deu entre a eleição do primeiro governo antineoliberal na America Latina – o de Hugo Chavez, em 1998 – e os atentados nos EUA – no mesmo ano de 2001. Esses dois acontecimentos, que poderiam ampliar a ação do FSM, acabaram definindo seus limites e revelando como o engessamento inicial imposto pelas ONGs que até hoje tem hegemonia no FSM, tenham sido fatais para os destinos do Forum.
A definição inicial de exclusão dos partidos significava também a exclusão da política, dos Estados, do imperialismo, entre outros temas da esfera da política. A eleição de Hugo Chavez apenas dava inicio à serie de presidentes latino-americanos na mesma onda posneoliberal – o fenômeno mais importante da América Latina na década passada, assim como para a construção do “Outro mundo possível”, dado que no continente estão todos os governos que pretendem superar o modelo neoliberal.
Desconhecer essa virada foi fatal para o FSM, que se isolou diante dos mais importantes acontecimentos da década. Foi convocador fundamental das gigantescas manifestações contra a intervenção militar no Iraque, mas não fez balanço delas e menos ainda deu continuidade a elas, até porque temas como imperialismo guerra, etc.. estão inevitavelmente na órbita de Estados, da politica, em que o FSM se autolimitou para intervir.
Teve a presença de presidentes como Chavez, Lula, Evo, Lugo, Rafael Correa – mas os manteve em atividades paralelas, marginais. O FSM, sempre sob controle de ONGs, se automarginalizou assim dos processos reais para os quais tinha nascido.
De que forma é possível regulamentar a circulação do capital financeiro, sem Estado e governo? Como é possível garantir direitos que o neoliberalismo tinha expropriado, senão através de Estados e de governos? Como é possível superar o Estado mínimo do neoliberalismo, sem Estados e governos? Em suma, o formato a que o FSM se condenou no começo, o levou ao engessamento e à incapacidade de acompanhar a evolução da luta pela superação do neoliberalismo. Para as ONGs pode ser bom que que o FSM seja apenas um lugar de troca de experiências, mas isso fez com que já exista uma nova geração de jovens – os indignados na Europa, os Ocupas nos EUA, na Inglaterra, os pinguins no Chile, os rebelados no mundo árabe – que nem sabe da existência do FSM.
O FSM hoje deveria ser um espaço para que os governos progressistas latino-americanos discutissem com os movimentos sociais dos diferentes países os problemas que tem enfrentado com óticas distintas, seja na Bolívia, no Equador, no Brasil, na Venezuela, no Uruguai, no Paraguai, para dar alguns exemplos. Mas para isso o FSM teria que mudar seu formato, incorporar todas as forças que estão construindo alternativas ao neoliberalismo e mudar a composição das suas direções, deixando para as ONGs um papel secundário e entregando para os movimentos sociais o protagonismo essencial.
Isto pode fazer com que o FSM ganhe, a partir do próximo ano, em Porto Alegre, o lugar que perdeu ao longo do tempo e possa ser o espaço contemporâneo de construção do outro mundo possível.
Postado por Emir Sader às 16:21
Sobre um dia mal-amanhecido…
Hoje, o mundo me acordou triste e feio. Olhei em volta e, pelo vão da janela, enxerguei apenas escuro e solidão. E, de tristeza em tristeza, lembrei Manoel Bandeira:
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Desculpem a melancolia, amigos…