Livre pensar é só pensar!

Para não desligar os neurônios

Afinal, escolha sua aventura de fim-de-ano…

“Ano-Novo

 Luiz Fernando Veríssimo

Existem muitas superstições sobre a melhor maneira de entrar o Ano-Novo. Na nossa casa, por exemplo, nunca falta um prato de lentilha para ser consumido nos primeiros minutos do ano que começa. Dá sorte. Ouvi dizer que na Espanha, ao soar da meia-noite, deve-se comer uma uva para cada badalada do relógio. Este costume chegou à Bulgária mas, por uma falha na tradução, lá se come um melão para cada batida do relógio, e os hospitais ficam cheios do dia 1º. Na Suíça, comem o relógio.

Algumas crenças persistem através do tempo, desafiando toda lógica. Se o champanhe aberto à meia-noite não estourar e se tiver alguém na família chamado Edgar, é sinal de que a casa será arrasada por uma manada de elefantes e o champanhe está choco. Na Rússia, depois de brindarem o Ano-Novo com vodca, os convidados devem atirar suas taças contra a parede e depois ficar muito brabos porque não há mais copos na casa e atirar o anfitrião contra a parede. De qualquer maneira, a festa termina cedo.

Na Índia se a primeira criança que nascer no Ano-Novo tiver bigode, fumar de piteira e pedir para falar urgentemente com o Kofi Anan, é mau sinal. Na Polinésia, em certas tribos primitivas, o guerreiro mais audaz deve levar a virgem mais bonita até a boca do vulcão e atirá-la para a morte, como um sacrifício aos deuses. Mas a encosta do vulcão é comprida, os dois param para descansar um pouco e, quando chegam à boca do vulcão, estabelece-se o paradoxo: se o guerreiro era audaz, a moça não é mais virgem, se a moça ainda é virgem, o guerreiro não era audaz, e o sacrifício sempre fica para o ano que vem. Na Austrália, todos se atiram contra a parede.

Entrar o Ano-Novo de gravata-borboleta pode comprometer seriamente as relações entre o Oriente e o Ocidente. O primeiro animal que você encontrar na rua no Ano-Novo pode significar uma coisa. Cachorro é sorte. Gato é dinheiro. Rato é saúde. Um bando de hienas é azar, corra. Um cavalo roxo dançando o xaxado na calçada significa que você está bêbado. Vá dormir.

Em certos lugares, é costume derramar champanhe no decote da mulher ao seu lado, o que lhe trará, a longo prazo, bons negócios, e, a curto prazo, um tapa-olho. Se você estiver num réveillon junto com seu patrão, não esqueça de se colocar estrategicamente para ser o primeiro a abraçá-lo à meia-noite. Dance com a mulher dele. Insista para que ele dance com a sua. Proponha vários brindes. Pule em cima da mesa. Proponha mais brindes. Diga que agora você é quem vai dançar com o patrão e não quer nem saber. Acabe lhe dizendo algumas verdades. Proteste que ninguém precisa segurar você, você está sóbrio, entende? Sóbrio! Só não sabe como uma manada de elefantes roxos invadiu o salão, ou será que a mulher do patrão trouxe a família toda? No dia 1º você não se lembrará de nada. No dia 2, você vai procurar outro emprego. Chato.

Outro costume é fazer previsões na véspera do Ano-Novo. Pode chover. Alguém, em algum lugar do Brasil, está dizendo: “Boas-entradas nada, eu quero saber onde fica a saída…” E a previsão mais fácil de todas…

– Qual é?

– Amanhã eu vou estar de ressaca!

Enfim, o Ano-Novo já está quase aí e, apesar de muita gente em São Paulo telefonar para os parentes no Japão, onde o 2009 chegará mais cedo, querendo saber que tal o ano, como quem pergunta como é que está a água, ninguém sabe como ele será. Farei o possível para entrar nele com o pé direito, mas, quando perceber, ele é que terá entrado em mim, não dará para recuar.

Só sei uma coisa. Assim que o relógio terminar de bater a meia-noite, comerei meu prato de lentilha para dar sorte. Pedirei outro. E derramarei lentilha no colo, destruindo para sempre A) um bom par de calças e B) minha fé em qualquer tipo de superstição.”

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PS: Quaisquer que sejam as nossas alternativas, que tenhamos todos um ano novo iluminado e feliz, não nos esquecendo de que “jamais haverá ano novo se continuarmos a copiar os erros dos anos velhos” (Luiz de Camões).

Como se percebe, o espírito do Ano Novo contamina até portugueses (brincadeirinha, sou integralmente português pelo meu lado paterno, e negro, índio e cangaceiro por parte de mãe).

domingo, 30 dezembro, 2012 Posted by | Repassando... | , | Deixe um comentário

Confundindo velório com natividade?…

segunda-feira, 24 dezembro, 2012 Posted by | Repassando... | , , | Deixe um comentário

O mercado não perdoa nem o fim-do-mundo…

FotoNeste louco mundo pós-moderno, tudo vira mercadoria ou serviço: a fé, a saúde, a solidariedade interpessoal, o medo, tudo, tudo. Nem o fim-do-mundo escapa: se não existe a possibilidade real, inventa-se uma e cria-se logo as alternativas: kit sobrevivência, localidades protegidas do Armagedon, abrigos anti-Juizo Final, o escambau (quer dizer: um fim do mundo parcial). E as oportunidades de ganho econômico se multiplicam de tempos em tempos, sob justificativas marketeadas a partir das mais diversas fontes: Nostradamus, apóstolo tal, livro etc e tal… Os Maias foram, agora, a bola da vez. Quinhentos anos após serem vilipendiados, assaltados, assassinados e dizimados pelos espanhóis e suas lutas intestinas, eles retornam como mais uma oportunidade de lucro para nós, os “civilizados”…

Muito provavelmente eles desconheciam natais, presépios e similares. Mas foram ressucitados agora, para a montagem de mais uma presepada nossa, os criadores desta sociedade “maravilhosa e feliz” que construímos e levamos avante aos trancos e barrancos, aos morticínios cotidianos e abraços de fim-de-ano…

E se, por um milagre natalino, pudéssemos meter o espírito de natal em jarros e abri-los durante todos os meses do ano, com certeza surgiria uma multinacional para gerar empregos, renda e lucros, em nome de uma segurança que desconstruímos e que buscamos nos escaninhos da fé-mercadoria…

Desculpem a nossa “ignorância esclarecida”, espíritos Maias…

domingo, 23 dezembro, 2012 Posted by | Comentário | , , | 1 Comentário

Sobre natais, alegrias e tristezas…

Natal, na imensa maioria das vezes, nunca foi um ponto forte em minha vida. Na infância, foi palco de algumas alegrias e de muitos pedidos de presentes atendidos pela metade. Na adolescência, então, foram quase sempre datas solitárias, sem casa e sem família. Na fase adulta, a minha vida andarilha ainda permitiu-me alguns natais aconchegantes, com filhos, parentes e agregados. Mas o tempo passou, os filhos cresceram e voaram pra longe, os parentes e agregados se espalharam e os meus natais estão voltando, pouco a pouco, à solidão ou incompletitude de quase sempre. Assim é a vida e hoje, do alto da maldita virose contraída nos últimos dias, sinto mais forte a minha fragilidade emocional em relação ao Natal que se aproxima. E entre um comprimido e outro, um chazinho e outro, relembrei a melancolia do poetinha amazônico Thiago de Mello:

“Tudo o que de mim se perde acrescenta-se ao que sou. Contudo, me desconheço. Pelas minhas cercanias passeio – não me frequento. Por sobre fonte erma e esquiva flutua-me í­ntegra, a face. Mas nunca me vejo: e sigo com face mal disfarçada. Oh que amargo é o não poder, rosto a rosto, contemplar aquilo que ignoto sou; distinguir até que ponto sou eu mesmo que me levo ou se um nume irrevelável que (para ser) vem morar comigo, dentro de mim, mas me abandona se rolo pelos declives do mundo. Desfaço-me do que sonho: faço-me sonho de alguém oculto. Talvez um Deus sonhe comigo, cobice o que eu guardo e nunca usei. Cego assim, não me decifro. E o imaginar-me sonhado não me completa: a ganância de ser-me inteiro prossegue. E pairo – picnic mudo – entre o sonho e o sonhador”.

Apesar de tudo, é Natal. Feliz Noite a todos vocês, amigos de sempre e pra sempre…

sábado, 22 dezembro, 2012 Posted by | Comentário | , | Deixe um comentário

Chora, oposição raivosa. Chora…

*Crédito cresce em novembro e atinge 52,6% do PIB (era a metade disso ao final do ciclo tucano)
** país cria 46 mil  empregos em novembro, 8% acima de 2011 (no ano já foram criadas 1,8 milhão de vagas com carteira assinada)
* custo do  crédito cai pelo 9º mês consecutivo tangido pelos bancos estatais
** inadimplência das famílias brasileiras recua.

ADEUS ANO VELHO; FELIZ ANO NOVO…

“No ano que vem, para alegria de muitos e tristeza de poucos, voltarei a andar por este país. Vou andar pelo Brasil porque temos ainda muita coisa para fazer, temos de ajudar a presidenta Dilma e trabalhar com os setores progressistas da sociedade” (Lula, na posse da nova diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, nesta 4ªfeira, 19-12, quando reafirmou a disposição de retomar as Caravanas da Cidadania para mobilizar o país e discutir o passo seguinte da luta pelo desenvolvimento)
(Carta Maior;4ª feira,19/12/2012)

quarta-feira, 19 dezembro, 2012 Posted by | Comentário | , | Deixe um comentário

Que o seu espírito artista e guerreiro nunca nos deixe, Oscar…

Arte & Cultura| 06/12/2012

Niemeyer: “Estou cansado de dizer adeus”

Dono de um espírito inquieto e permanentemente em alerta, Niemeyer lançou frases que ficaram na memória nacional. Ao perder mais um amigo, ele desabafou: “Estou cansado de dizer adeus”. Em meio a um episódio de mais violência no Rio de Janeiro, perguntaram para Niemeyer se ele ainda se indignava, a resposta foi rápida e objetiva. “O dia em que eu não mais me indignar é porque morri.” Arquiteto morreu na noite desta quarta-feira, aos 104 anos.

Renata Giraldi – Agência Brasil

Brasília – Símbolo da vanguarda e da crítica ao conservadorismo de ideias e projetos, o carioca Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares Filho, de 104 anos, que morreu na noite desta quarta (5), é apontado como um dos mais influentes na arquitetura moderna mundial. Os traços livres e rápidos criaram um novo movimento na arquitetura. A capital Brasília é apenas uma das suas numerosas obras espalhadas pelo Brasil e pelo mundo.
Dono de um espírito inquieto e permanentemente em alerta, Niemeyer lançou frases que ficaram na memória nacional. Ao perder mais um amigo, ele desabafou: “Estou cansado de dizer adeus”. Em meio a um episódio de mais violência no Rio de Janeiro, perguntaram para Niemeyer se ele ainda se indignava, a resposta foi rápida e objetiva. “O dia em que eu não mais me indignar é porque morri.”
Em 1934, Niemeyer se formou na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. De princípios marxistas, ele resistia ao que chamava de arquitetura comercial. Até 2009, ele costumava ir todos os dias ao escritório, em Copacabana, no Rio de Janeiro. A frequência caiu depois de duas cirurgias –uma para a retirada de um tumor no cólon e outra na vesícula. Em 2010, foi internado devido a um quadro de infecção urinária.
Ao longo da sua vida, Niemeyer associou seu trabalho à ideologia. Amigo de Luís Carlos Prestes, ele se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e emprestou o escritório para organizar o comitê da legenda. Durante a ditadura (1964-985), ele se autoexilou na França. Nesse período foi à então União Soviética.
Em 2007, Niemeyer presenteou Fidel Castro, ex-presidente de Cuba, com uma escultura na qual há uma imagem monstruosa que ameaça um homem que se defende com a bandeira de Cuba. No mesmo ano, foi alvo de críticas pelo preço cobrado, no valor de R$ 7 milhões, pelo projeto de construção da sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília.
Independentemente das polêmicas, Niemeyer se transformou em sinônimo de ousadia com a construção de Brasília. Os cartões-postais da cidade foram feitos por ele, como a Igrejinha da 307/308 Sul, construída no formato de um chapéu de freira cuja obra durou apenas 100 dias.
O Palácio da Alvorada, a residência oficial da Presidência da República, foi o primeiro edifício público inaugurado na capital, em junho de 1958. Na obra, os pilares que Niemeyer desenhou para a fachada do prédio, passaram a ser o emblema de Brasília.
A sede do governo federal, o Palácio do Planalto, compõe o conjunto de edifícios da Praça dos Três Poderes onde estão os prédios do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional – formado por duas semiesferas simbolizando a Câmara dos Deputados (voltada para cima) e o Senado (voltada para baixo).
Porém, um dos símbolos mais visitados da capital é a Catedral Metropolitana. Construída como uma nave, o acesso ao prédio é possível por meio de uma passagem subterrânea. No teto da igreja, há anjos dependurados.
Em janeiro deste ano (2012), Niemeyer enterrou a filha Anna Maria, de 82 anos, que morreu em consequência de um enfisema pulmonar, no Rio. Desde então, segundo amigos, o arquiteto passou a sair menos de casa e ficou mais fechado.

Fotos: Divulgação

sexta-feira, 7 dezembro, 2012 Posted by | Repassando... | | Deixe um comentário

Sobre o equilíbrio entre saber, crer, conviver e criar…

Sempre fui um fanático pelas orígens, histórias e lendas ligadas à diversificada trajetória humana, neste nosso mundo velho sem porteira. Não para garimpar informações que reforçassem as minhas convicções neófitas, mas para engordar as prateleiras cognitivas do meu cérebro rebelde e curioso, em busca de um equilíbrio interior que ainda não atingi (mas que continuo perseguindo). Iniciei-me nas noturnas beiras de fogueiras, devorando as  lendas e histórias dos mais velhos e ruminando-as horas e horas nas minhas constantes introspecções de criança, filtrando e decantando percepções a sedimentar na minha curiosidade incansável. Ao longo das minha sete décadas incompletas, encantei-me em imaginar como as coisas do meu tempo surgiram ao longo dos séculos. Em imaginar o homem primitivo que cuspiu no solo a primeira semente do fruto natural, percebeu-a germinando e descobriu a agricultura; o primeiro homem que domesticou algum filhote selvagem e descobriu a pecuária; o primeiro homem que, vendo raios e intempéries climáticas, pensou em deuses; a primeira mulher prenha a tentar entender o fato e as dores criativas da cria primogênita; as lutas, guerras, migrações e outras tragédias decorrentes e recorrentes destes seres maravilhosos e terríveis que fomos e somos. Intelectualmente, e independente da minha trajetória profissional, esta curiosidade devastadora que me habita sempre foi o pano-de-fundo dos meus dias. Provavelmente por isto, nunca acreditei nas abordagens especialísticas e fechadas à holística visão da realidade, preferindo jogá-las na centrífuga do meu cérebro, espreme-las, coar e beber o caldo da diversa e complexa realidade, embora ele às vezes me deixasse meio doidão. A minha vida já se foi em mais da metade, já dobrou o Cabo da Boa Esperança, mas a minha cuíra nunca arrefeceu. Inclusive estou relendo “Uma breve história do mundo” (Geoffrey Blainey) e assisti pela quarta vez  “A guerra do fogo” ( Jean-Jacques Annaud. Anthony Burgess e Desmond Morris.[2]), continuando as milhares de viagens por centenas de livros, documentários, palestras e conversas-de-fogueira.
E em assim sendo, não pude resistir em ler e repassar a vocês (em muito iguais a mim), o lançamento literário abaixo: uma releitura da Biblia, um dos livros mais famosos do mundo, embora polêmico e controverso em suas informações. E feita por um intelectual que, além de filosóficamente preparado , possui a profundidade da isenção, a ironia e o bom humor necessários ao destrinchamento das polêmicas históricas. Com certeza, ler o livro será uma das minhas próximas tarefas.
Em tempo: voltou-me à mente, enquanto escrevia esta postagem, um diálogo que tive com meu filho caçula (há duas décadas atrás), quando jogávamos conversa fora, sentados na horta do quintal. E ele, que já me pedia pra contar histórias fantásticas que o matavam de rir, então com apenas cinco anos, olhou pensativamente para o céu e comentou: _ Pai, a gente mora no esgoto, né?
_ Porque você acha isso, meu filho?
_ Olha, se papai-do-céu mora lá em cima, a gente mora no esgoto…
_ Ihhh! Meu filho!  Não te aprofunda nesta história! Deixa isso pra quando você for maior…
E o meu sorriso interior pelo meu filho curioso, não me impediu de pensar com os meus botões: ô sina!!!
Bom fim de semana à todos…
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Arte & Cultura| 30/11/2012:

A Bíblia segundo Beliel

Em tom de paródia, mas solidamente ancorada nas tradições bíblicas – que Flávio Aguiar, pesquisador e professor de literatura da USP, conhece como poucos –, “A Bíblia segundo Beliel – da Criação ao Fim do Mundo: como tudo de fato aconteceu e vai acontecer” (Boitempo) combina a leveza da chanchada com reflexões profundas e ousadas sobre temas como a religião, o fanatismo, a crença e a descrença, a opressão e a liberdade, a desigualdade e a justiça e, “last but not least”, o amor, como objetivo e possibilidade de redenção da humanidade.

Redação

São Paulo – Um anjo desgarrado decide reunir narrativas bíblicas perdidas. Mas os narradores são, na maioria, como ele: desgarrados. São os coadjuvantes da história, como a pomba que Noé soltou da arca para ver se as águas do dilúvio tinham baixado; ou o demônio Misgodeu, que trabalha como porteiro do Inferno, um faz-tudo que toca os mecanismos daquele fim de mundo, sem o qual nada funciona no reino de Lúcifer; ou ainda o escravo de Jó, que assiste, completamente surpreso, à desgraça e às tentações de seu amo. Lemos também sobre a luxúria e a hecatombe de Sodoma e Gomorra contada por um dos anjos enviados para averiguar o que por lá se passava (e como se passavam coisas!). Assim como fala do passado, a narrativa de Beliel, ele mesmo um faz-tudo nos céus, se dirige ao futuro, nos levando a uma versão absolutamente fantástica do fim dos tempos e do destino da Criação. A Bíblia segundo Beliel glosa as teorias e previsões sobre a proximidade do fim do mundo, como acontece no Apocalipse de São João Evangelista. Só que com alguns detalhes que São João não previu nem talvez pudesse prever. Afinal, o autor leva uma vantagem: está quase dois mil anos mais perto do fim do mundo do que ele estava. No livro, Flávio traça não apenas as previsões de origem religiosa, mas também aquelas de natureza científica ou histórica. Sua geração cresceu sob o temor de que a Guerra Fria – depois das hecatombes da Segunda e da Primeira Guerra Mundial – os levasse diretamente ao fim do mundo. O risco de uma catástrofe atômica diminuiu, mas não está descartado. Agora se fala também no aquecimento global, no efeito estufa, e vive-se em meio a furacões tropicais que invadem as regiões mais temperadas. A Bíblia segundo Beliel, portanto, é um livro perfeitamente realista: uma leitura do nosso tempo. Em tom de paródia, mas solidamente ancorada nas tradições bíblicas – que Flávio Aguiar, pesquisador e professor de literatura da USP, conhece como poucos –, A Bíblia segundo Beliel combina a leveza da chanchada com reflexões profundas e ousadas sobre temas como a religião, o fanatismo, a crença e a descrença, a opressão e a liberdade, a desigualdade e a justiça e, last but not least, o amor, como objetivo e possibilidade de redenção da humanidade. Sobre o surgimento do livro, o escritor é enfático: “Foi uma possessão. Passei muitos anos estudando as Bíblias como fontes literárias e das demais artes. Mais da metade das literaturas e das artes que estudamos e curtimos são incompreensíveis sem um conhecimento mínimo das diversas Bíblias. Até um autor declaradamente ateu, como Machado de Assis, é profundamente bíblico. Acho que de repente isso se materializou numa reescritura do que eu lera e me inspirara na minha vida de professor e crítico literário. Como se todo esse mundo acumulado pegasse um desvio da linha e saísse em busca de um caminho próprio. Por isso não consigo dizer, por exemplo, que o livro é meu. Ele é mesmo do Beliel, esse anjo torto que se materializou em mim. Eu fui apenas seu porta-voz”. Trecho do livro “No passar das claridades e escuridões (ninguém ainda inventara as horas) Adão se entediava. Depois de contar interminavelmente as folhas das palmeiras, começou a contar grãos de areia. Nessa altura o arcanjo Gabriel, que de vez em quando vinha dar uma espiada, resolveu levar o caso a Jeová, Que ficou preocupado. – Preciso fazer algo, Ele disse a Gabriel. E fez. Esperou que Adão adormecesse, e praticou a primeira cirurgia da história ocidental. Extraiu do peito de Adão uma costela a mais que ali pusera just in case e, a partir dela, moldou uma mulher. – Agora ele vai ter com que se ocupar, exclamou Jeová num tom vingativo, que Gabriel não entendeu.” Sobre o autor Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre, em 1947. É professor aposentado de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofi a, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/ USP), na qual fundou e dirigiu o Centro Ángel Rama. Atualmente, é pesquisador do programa de pós-graduação em Literatura Brasileira da mesma instituição. Orientou mais de quarenta teses e dissertações de doutorado e mestrado. Foi professor convidado e conferencista em universidades no Brasil, Uruguai, Argentina, Canadá, Alemanha, Costa do Marfim e Cuba. Tem mais de trinta livros publicados, entre os de autoria própria, organizados, editados ou antologias. São obras de crítica literária, ficção e poesia. Participou de várias antologias de poemas e contos no Brasil e no exterior (França, Itália e Canadá). Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro: em 1984, na categoria “Ensaio”, com sua tese de doutorado A comédia nacional no teatro de José de Alencar (Ática, 1984); em 2000, com o romance Anita (Boitempo, 1999); e, em 2007, coletivamente, como responsável pela área de literatura da Latinoamericana: enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (Boitempo, 2006), na categoria “Ciências Humanas” e também como “Livro do Ano de Não Ficção”. Reside atualmente em Berlim, na Alemanha, onde é correspondente para publicações brasileiras, entre elas a Carta Maior, da qual já foi editor.

sábado, 1 dezembro, 2012 Posted by | Comentário, Repassando... | , , | Deixe um comentário